Consultando um bom dicionário de tugalês, o leitor poderá confirmar que o termo urna pode assumir diferentes significados, dependendo cada um daquilo que com a mesma se faz. No fim de contas, a única coisa comum a todos é o facto de numa urna se depositar algo, sejam restos mortais, cupões de lotaria, rifas, ou boletins de voto. Em termos de sentimento as urnas eleitorais estão para o eleitor como as urnas dos cupões da lotaria para o apostador, vivendo ambos na expectante esperança que o seu boletim seja o feliz contemplado vencedor. No entanto, se a lei da probabilidade adverte o apostador para a mais que provável derrota no universo quase infinito do acerto impossível dos números vencedores, a lei dos homens deveria fazer o mesmo ao eleitor, parte essencial e única do sistema democrático. Quando digo deveria, digo porque eu próprio não acreditando já em quase nada do que é apresentado a escrutínio, continuo a religiosamente cumprir com o dever cívico de exercer o meu direito de voto. Entre propagandistas do olha para o que eu digo e não para o que eu faço, entre os oportunistas da altura certa para piscar o olho ao poleiro do poder, entre os discos riscados que teimam eu não passar do tempo dos LPs, entre os que sabendo da derrota certa não se coíbem em prometer o impossível, e entre os que governando se esquecem de uma boa parte da sua ideologia política, o termo Urna não poderia ter sido melhor escolhido para designar o local onde depositamos o boletim de voto, o local onde se incinera a democracia, e onde acabam por ficar depositados os restos mortais da esperança dos eleitores que cada vez menos acreditam no menos mau de todos os sistemas...
O tempo para por aqui escrever não tem sido muito, ou para ser mais franco - nenhum. Mas face aos resultados da terça feira eleitoral nos EUA, não poderia deixar de efectuar um pequeno comentário. Estas ainda são as eleições primárias, mas pelo andar da carruagem, aquilo que até agora começou como uma anedota, passou a fase de ameaça, e neste momento assume o protagonismo do lado republicano. As eleições são deles, dos estado-unidenses, mas tendo em conta a mania de grandeza e o gosto por meter a foice na seara alheia, o resultado final tem que preocupar ao resto do mundo. E de facto, Donald Trampa, perdão, Trump, é neste momento uma escolha possível para eleitores. Trump estaria para o cargo presidencial nos EUA, como Manuel João Vieira está para o cargo presidencial aqui na tugalândia. Fica assim demonstrado, que no que ao bom senso diz respeito, aqui por estas bandas o pessoal dá 5-0 aos habitantes da terra que por momentos se julgou tratar da antiga Índia, dos sultões e das especiarias. O antigo vocalista dos Ena Pá 2000 estaria longe de pensar que a música "És Cruel" poderia encaixar tão bem num possível futuro candidato ao cargo de presidente dos Estados Unidos da América:
És cruel Meteste a tua filha num bordel Enforcaste o teu caniche a um cordel És cruel
És tarado Pintaste o sexo cor de rebuçado No circo tu serias um achado És tarado
És um porco imundo, Quando queres vais até ao fundo Não sei onde vais parar
És ignóbil Não sei qual é que é o teu móbil És um reciclado de Chernobil És ignóbil
És vaidoso Meteste uma pompom na tua franja Sabes que ainda o dia é uma criança És vaidoso
És um porco imundo Quando queres vais até ao fundo Não sei onde vais parar
És obtuso Lavas a tua tromba com água do Luso O teu nariz é como um parafuso És tarado
És obsceno Os teus olhos diz que ele é um veneno Encharcas-te com vinho do Reno És cruel
És um porco imundo Quando queres vais até ao fundo Não sei onde vais parar
És um porco imundo Quando queres vais até ao fundo Não sei onde vais parar
Lembro-me muito bem do dia em que um Rebelo resolveu dar um mergulho no rio Tejo, em plena campanha para as eleições autárquicas, na disputa pela Câmara Municipal de Lisboa. De lá para cá, mais atento ou por vezes nem tanto, tenho acompanhado o seu percurso. Será porventura ingrato reduzir essas décadas ao papel de comentador, mas o estilo e a entrega com que ele se apresentou alienaram toda e qualquer outra função que até hoje tenha desempenhado. O relógio de pulso em cima da mesa, e a pilha de livros ao seu lado, eram o cenário com que Marcelo semanalmente se dedicava ao papel de franco-atirador da opinião pública, versando sobre todos os temas de relevo desde uma crise no médio oriente, os crashes das bolsas norte-americanas, as tácticas de Jorge Jesus no Braga, ou o número de gemas necessárias para um bom pudim do Abade de Priscos. Quem agora o vê na campanha presidencial, não reconhece aquele homem de debitava opiniões ao ritmo de um piloto de fórmula 1, o homem que ainda a jornalista não tinha feito a pergunta e ele já dava a resposta, com direito a argumento para lançar a questão seguinte. Marcelo "o canditato" não é o mesmo Marcelo "o comentador". De facto, e porque infelizmente hoje em dia fala-se muito da PHDA, acho que os seus gestores de campanha devem deitar uns pós de Ritalina no café da manhã, pois caso contrário a água do Rio Tejo poderia voltar a ser apetecível...
Dedicar o primeiro post de 2016 às vindouras eleições presidenciais, é algo que não estava nos meus horizontes devido ao facto de considerar a figura do presidente da república como um mero objecto de decoração, um daqueles bibelôs que muitas vezes se oferecem e que acabam no fundo de uma caixa, arrumada numa cave ou garagem qualquer. Contudo face ao número de debates que os diversos meios de comunicação social tem presenteado os telespectadores, acho que devo pronunciar-me sobre os moldes nos quais os candidatos ao tacho de Belém se tem debatido. É verdadeiramente penoso, mais para quem vê do que para quem participa, esta forma que se optou para dar voz a todos os candidatos. Os confrontos que diariamente ocorrem mais se parecem com um campeonato, pois os desafios são a dois, com mais que um jogo por jornada, em disputas insonsas e desenxabidas, movidas apenas por intrigas pessoais e ideologicamente desprovidas de sentido, quando todos eles se apresentam para o cargo de presidente de todos os tugas. As televisões que ponham os olhos na radio, optando pela velha máxima de todo ao molho e fé que no dia das eleições a abstenção não ocupe o gabinete com vistas para o Tejo...