censura XXI
Por muito que se queira tentar sentir ou imaginar uma experiência, não a tendo presenciado é totalmente impossível de encarnar todo o conjunto de sentimentos adjacentes à mesma. Não vivi no tempo da outra senhora ou, como dizem os livros de história, no tempo do estado novo. A semana que passou começou e acabou permitindo-me vivenciar uma analepse cronológica. A ode panegírica a Eusébio, figura ímpar do desporto tuga à qual já prestei, e volto a prestar a minha homenagem, foi acompanhada por um ordenhamento de todo o conteúdo associado a essa figura, por parte do clube ao qual ele se entregou, aquele que foi responsável pelo desgaste físico de um atleta que tinha que jogar de qualquer maneira, em todos os jogos. Esse homem, junto com um regime conivente, fez esse clube granjear um número de adeptos em número tal, permitindo aos biltres do capital apoiar um canal de conteúdos exclusivos. Ontem, para além de um jogo bem disputado onde venceu a equipa que marcou, vivi uma experiência de 3º grau ao nível da censura dos tempos de Salazar. O nosso país deve ser o único país do mundo inteiro que permite um canal de um clube de futebol ser o dono exclusivo dos direitos de transmissão dos jogos caseiros desse clube. Para além de ser um atentado ao bom senso, de ser uma forma de censura ao modo do século XXI, esta vergonha patrocinada por 5 999 999 adeptos é um homicídio da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa. Sou PORTISTA e ontem para ver a MINHA equipa tive que levar com o símbolo do clube do regime na televisão, com repetições a dizer "Museu Cosme Damião", que jogou contra 11 Eusébios, jogo relatado por adeptos desse clube, com comentários de uma antiga vedeta. Se isto tivesse acontecido no Djibuti ainda conseguia entender, mas acontecer num país europeu, no continente da tolerância e da pluralidade democrática, não dá para acreditar. De facto comprova-se que a forma de estar aqui na Tugalândia coaduna-se com os países do terceiro mundo, daí que a metáfora de Saramago, com a sua "Jangada de Pedra", faz todo o sentido, não por aquele que o escritor escreveu na altura, mas sim porque de facto não merecemos estar no espaço europeu. Tenho vergonha de ser português e tenho pena que as nossas tropas tenham saído vencedoras da batalha de São Mamede. Viva o Futebol Clube do Porto. Carago...