veni, vidi, Vici
Esquecido mas não deixado para trás, esta forma de comunicação que em tempos foi moda tem sido para mim uma forma de exteriorizar pensamentos. Ao longo dos últimos 12 anos foi aqui que falei de política, bola ou simplesmente qualquer outra coisa que me fizesse sentar em frente ao computador e assistir a este processo maravilhoso que é ver estampadas no ecran as diatribes de uma mente inquieta. Contudo hoje servir-me-ei deste espaço duma forma que tanto tem de cobarde, como de arrojada. Cobarde porque quero prestar uma homenagem que só desta forma assim consigo, pois deste modo se elimina o embargo da voz e a neblina de uns olhos marejados que seriam obstáculos sérios para cumprir esta missão até ao fim. Arrojada porque será difícil prestar a devida homenagem a uma professora recentemente aposentada que não tendo sido minha, foi de muitos, mas comigo tem a mais importante das ligações - é a minha mãe (espero que neste momento o lenço branco já seja necessário). O título deste texto pertence a uma frase do grande imperador romano Julio César mas, ao contrário dele que conquistou tudo menos a pequena aldeia de irredutíveis gauleses, tu foste capaz de conquistar gerações de crianças que te conheceram sem saber ler nem escrever, e deixaram-te prontos para defrontar o grande desafio que é a vida. Começaste a tua carreira no estertor da década de 70, carregando contigo nos teus primeiros tempos o peso de um rebento rabugento, terminaste a década de 80 já com experiência acumulada e com força para deixar um morgado no desemprego, e volvidas quatro décadas e mais uns trocos ainda viste passar dois netos pelas salas contiguas à tua, ultrapassando no fim o limite estabelecido para não deixar a meio o projecto que sempre foi a tua grande paixão - os alunos. Foram quilómetros de estradas sinuosas no tempo em que os carros eram movidos à força do braço, atingindo pontos tão recônditos num dos quais tiveste mesmo que ser resgatada, escolas deslocadas da estrada transitável mais próxima a convidar a uma caminhada de pastas e livros nos braços, e turmas de mil e um alunos onde se leccionava da primeira à quarta classe. Se às horas e dias de escola se somasse todo o tempo da dedicação na preparação das lições, da correcção das fichas, da avaliação ansiosa do trabalho que sendo dos teus alunos também era o teu, e dos telefonemas nunca rejeitados de pais e encarregados de educação, o estado português não seria capaz de traduzir em euros todo um sentido de dever cívico que cada vez mais cai no esquecimento. Sentiste no início o bafio dos armários onde se arquivavam as pastas das fichas dos alunos, e terminaste no espaço inodoro da nuvem (clowd para os amigos). Começaste quando o telefone mais próximo era na mercearia/café/mercado da aldeia, e acabaste com telefones de alunos na mochila pendurada na cadeira. Passaste do papel químico para fazer fichas e tpcs, ao envio cibernético e instantâneo de e-mail e grupos de whatsapp. Com tudo isto se Charles Darwin fosse vivo poderia testemunhar uma evolução monstruosa, e fazer das ilhas galápagos apenas uns rochedos perdidos no meio do pacífico. Pertences a uma geração que já não se fabrica, e da qual és uma espécie de CEO. Mereces agora que pegue no lenço que falei no início e permite-me juntar às centenas de alunos, pais e familiares que tiveram a sorte de te ter no seu caminho para todos juntos o agitarmos, não pelo simbolismo da despedida, mas sim pela confirmação da obra maestra que foi a tua carreira na majestosa missão de ensinar. Parabéns senhora Professora.