estado de Guerra
A minha ideia sobre a escritora deste livro, ou melhor, dos textos que nesta publicação são reunidos, começou por um erro de zapping (não confundir com erro de casting). Numa daquelas noites de pasmaceira a praticar essa modalidade do desporto de sofá, fruto de um torpor preguiçoso e de um livro menos interessante, ao mudar de canal lá se encontrava Clara Ferreira Alves a fazer aquilo que ela própria considera como o seu principal ganha pão - opinar. Volvidos breves instantes e já com o nervoso miudinho do dedo palpitante por pressionar o botão "Ch+", fico com uma ideia de mais uma intelectual com a mania de oráculo da verdade. Erro de interpretação pior não poderia ter cometido. Quando passei a ser espectador assíduo do "Eixo do Mal" rectifiquei esse erro e hoje reconheço em Clara Ferreira Alves uma pessoa de opinião bem fundamentada e muito lúcida da realidade, transbordando conhecimento e vivências pessoais, com uma bagagem cultural que para ser armazenada deveriam ser necessários vários silos. Os textos deste livro comprovam tudo isto, e ainda acrescentam a faceta de escritora com um estilo ecléctico do qual destaco as qualidades que mais gosto - o humor e o sarcasmo. Para apimentar a sugestão que deixo em não deixarem de ler este livro, aqui ficam algumas passagem verdadeiramente sublimes.
- Acerca dos actuais líderes europeus: "Custa a crer como é que um conjunto de gente supostamente eleita por ser inteligente consegue ser tão vilmente estúpida.";
- Acerca da fuga dos ricos às taxas aplicadas sobre os grandes capitais: "As grandes fortunas, como sempre, não acreditam em dívidas à sociedade ou, como dizem os americanos, à comunidade. E, em matéria de patriotismo são muito cosmopolitas e cidadãos do mundo.";
- Acerca da democracia tuga recente: "O dinheiro, as discussões em volta do dinheiro acentuadas pela falta de dinheiro, fizeram do proletariado (e desse híbrido chamado classe média) uma massa informe de consumidores que votam. E consomem democracia, os direitos fundamentais, como consomem televisão, pela imagem. Sócrates e o Armani, Passos Coelho e a voz de festival da canção.";
- Acerca dos novos gadgets, Kindle e iPad: "Gosto de sair de casa com um livro ou uma revista dentro da mala para o caso de ter de entreter o tédio num desses departamentos da vida quotidiana que somos obrigados a esperar. Um Kindle precisa de bateria e tem umas horas de autonomia. Horas? Os livros e revistas de papel têm a autonomia da eternidade".