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E porque não eu?

terapia de reflexão para mentes livres e com paciência, SA ou Lda não interessa, pelo menos pensar não paga impostos

E porque não eu?

o barulho do Silêncio

por António Simões, em 29.11.23

O dia de hoje cumpria os requisitos da normalidade. O planeta moveu-se na sua tragectória elíptica em direcção a mais um solstício de Inverno. O parlamento discutiu o último orçamento de estado da vigência da maioria que tem os seus dias contados. O povo manifestou-se na rua. A oposição ao actual governo deu o ar da sua graça com as tradicionais piscadelas de olho ao voto traduzidas em propostas de última hora, qual delas a mais romântica, tendo a companhia do proto-candidato a primeiro-ministro Pedro Nuno Santos, que votou apenas porque foi obrigado. Tudo corria como esperado. Com a garantia para o próximo ano de um orçamento aprovado, quando questionado sobre os passos a seguir, Marcelo Rebelo de Sousa adiantou que após a dissolução do parlamento e até às próximas eleições a 10 de Março não fará intervenções políticas. Imediatamente o pânico instalou-se em comunidades que vão dos comentadores da bola aos astrólogos, passando pelos membros residentes de programas da manhã e tarde aos Chefs das inúmeras soirées de culinária. O momento é de consternação e apreensão porque todos sabem que tem o emprego em perigo, pois se Marcelo não poderá falar de política  certamente que não vai ficar calado...

onde estão as Pantufas

por António Simões, em 26.11.23

O rufar dos tambores começou a sentir-se, as cornetas sopraram rasgando o ar com o seu silvar, as bandeiras ondulavam e enchiam de cor um pavilhão algures em terras de Cristo-Rei e, num momento de surpresa totalmente programada, o seu nome foi anunciado levando uma turba já de si entusiasmada pelo cheiro a poleiro relativamente próximo (ou pelo menos possível só bastando para isso não fazer muita asneira) a levantar-se em uníssono. Eis então que não aparece nem Cristo nem um Rei qualquer mas sim Cavaco Silva, qual D. Sebastião resgatado das brumas da memória, salvo da pacatez de Boliqueime em nome de uma causa maior, ao som de "Paz, pão, povo e liberdade" a caminhar pelo meio de comuns mortais que queriam estar o mais próximo possível de alguém regressado do Olimpo dos Deuses, percorrendo essa amálgama de seres humanos quase do mesmo modo que Moisés fez ao separar as águas do mar, finalmente chegado ao púlpito da coroação do seu seguidor Montenegro foi então capaz de absorver a dimensão da sua presença, a primeira desde há muito tempo, e de semblante pasmado pela emoção perguntou ao seu interior "onde estão as minhas pantufas".

falhar de baliza Aberta

por António Simões, em 25.11.23

Como em muitas coisas na vida, a melhor forma de entender os complicados caminhos e nós górdios que a sociedade tece é recorrer à metáfora. Como sou um apaixonado pela bola e para poder explicar a alguém mais distraído, vou recorrer ao universo futebolístico para explicar o que penso de toda esta barafunda para onde fomos empurrados. Imaginemos o governo de Portugal como uma equipa, o Primeiro-Ministro o Treinador, o Presidente da República o dono do Portugal F.C. e a Procuradoria Geral da República o Árbitro. O Mister costa começou a sua primeira temporada totalmente focado num modelo ofensivo, conseguindo mesmo o lugar depois de um ataque brutal pela esquerda, depondo o treinador que teria sido a primeira escolha dos sócios. Os anos que se seguiram foram duros mas recorrendo ao seu número 10 - Pedro Nuno Santos - a bola foi tratada num estilo diferente do Tiki-Taka espanhol. Recorrendo ao Gerin-Gonça tuga, um modelo de jogo que não sendo uma novidade foi soberbamente maestrada por Santos, o dorsal 10 desta equipa governativa este sempre ao nível do peso da mítica camisola. O problema foi que depois de tanto se explorar o flanco esquerdo e a táctica da Gerin-Gonça, o desgaste foi inevitável e na época seguinte (2º governo) já só contou com aparições esporádicas do BE e PAN, jogadores que tal como acontece frequentemente nas equipas vencedoras de baixo orçamento viam o seu futuro noutras paragens. O cansaço deu sinal mas, com muita resiliência, a equipa governativa seguiu em frente até ao limite das suas forças. A 2ª época não chegou ao fim e os sócios, conscientes do esforço até então despendido, deram um voto de confiança e depositaram em Costa toda a sua força para um terceiro mandato. O Presidente do Portugal F.C. duvidava, mas perante tal mostra de vontade da massa adepta, acedeu em assinar mais uma temporada com Costa. Quando tudo parecia levar caminho para a baliza aberta e rematar certeiro sem qualquer oposição, eis que as lesões ceifaram os seus melhores elementos. O banco de suplentes estava cada vez mais curto, mas Costa acreditava na equipa. Contudo, depois de uma entrada perigosa de jogadores repescados da equipa B, que Costa não viu, o Árbitro da Procuradoria Geral da República mostrou o cartão vermelho. Adiantando-se ao Presidente Marcelo, costa pediu a rescisão do contrato. Portugal F.C. encontra-se agora num defeso que se prevê conturbado, e só lá para meados de Março do próximo ano é que voltará a ter treinador.

extra, ordinário e Extraordinário

por António Simões, em 24.11.23

Por estes dias, em Estrasburgo, durante o debate sobre o estado do Direito em Espanha, um alemão - Manfred Weber - presidente do Partido Popular Europeu, adjectivou o actual governo português de corrupto. A faísca fez fogo, e num ápice acendeu-se a discussão entre dois tugas que fazem parte do mesmo hemiciclo, embora em lados opostos. Pedro Marques, deputado do PS, e Paulo Rangel, deputado do PSD, trocaram argumentos de taberna em pleno parlamento europeu. O caso foi extra e ordinário, e ao mesmo tempo extraordinário. Extra porque o assunto em discussão foi esquecido e acrescentou-se um que pelo que se apurou até ao momento não tinha qualquer relação. Ordinário porque o teor dos argumentos em nada enobrecem quem os proferiu. E extraordinário porque pelo menos uma vez, de vez em quando, o resto do parlamento europeu descobre que afinal na Europa também se fala português.

13 anos

por António Simões, em 23.11.23

Com dois dias de atraso em relação à data, e com três anos sem a marcar com a devida pompa e circunstância, chegou a altura de soprar, não só as velas que marcam 13 anos de existência, mas também o pó acumulado nas sinapses que permitem aqui expor as ideias de uma mente inquieta. Desde o seu início, este espaço sempre preencheu as necessidades para o qual foi criado na noite de 21 de Novembro de 2010, e ler o que já foi escrito é um prazer e ao mesmo tempo um desafio. Um desafio para continuar e impedir que o pó torne a repousar, um desafio para ao escrever poder ouvir. Ouvir o nosso interior num mundo em que cada vez mais as pessoas só se preocupam com o seu exterior e as aparências, um mundo onde uma opinião é valorizada não pelo que ela assume, mas pelos likes, partilhas e #s que consegue. Num mundo assim poderá o espaço que aqui ocupo ser considerado obsoleto, mas mas nunca será esquecido.

veni, vidi, Vici

por António Simões, em 16.06.23

Esquecido mas não deixado para trás, esta forma de comunicação que em tempos foi moda tem sido para mim uma forma de exteriorizar pensamentos. Ao longo dos últimos 12 anos foi aqui que falei de política, bola ou simplesmente qualquer outra coisa que me fizesse sentar em frente ao computador e assistir a este processo maravilhoso que é ver estampadas no ecran as diatribes de uma mente inquieta. Contudo hoje servir-me-ei deste espaço duma forma que tanto tem de cobarde, como de arrojada. Cobarde porque quero prestar uma homenagem que só desta forma assim consigo, pois deste modo se elimina o embargo da voz e a neblina de uns olhos marejados que seriam obstáculos sérios para cumprir esta missão até ao fim. Arrojada porque será difícil prestar a devida homenagem a uma professora recentemente aposentada que não tendo sido minha, foi de muitos, mas comigo tem a mais importante das ligações - é a minha mãe (espero que neste momento o lenço branco já seja necessário). O título deste texto pertence a uma frase do grande imperador romano Julio César mas, ao contrário dele que conquistou tudo menos a pequena aldeia de irredutíveis gauleses, tu foste capaz de conquistar gerações de crianças que te conheceram sem saber ler nem escrever, e deixaram-te prontos para defrontar o grande desafio que é a vida. Começaste a tua carreira no estertor da década de 70, carregando contigo nos teus primeiros tempos o peso de um rebento rabugento, terminaste a década de 80 já com experiência acumulada e com força para deixar um morgado no desemprego, e volvidas quatro décadas e mais uns trocos ainda viste passar dois netos pelas salas contiguas à tua, ultrapassando no fim o limite estabelecido para não deixar a meio o projecto que sempre foi a tua grande paixão - os alunos. Foram quilómetros de estradas sinuosas no tempo em que os carros eram movidos à força do braço, atingindo pontos tão recônditos num dos quais tiveste mesmo que ser resgatada, escolas deslocadas da estrada transitável mais próxima a convidar a uma caminhada de pastas e livros nos braços, e turmas de mil e um alunos onde se leccionava da primeira à quarta classe. Se às horas e dias de escola se somasse todo o tempo da dedicação na preparação das lições, da correcção das fichas, da avaliação ansiosa do trabalho que sendo dos teus alunos também era o teu, e dos telefonemas nunca rejeitados de pais e encarregados de educação, o estado português não seria capaz de traduzir em euros todo um sentido de dever cívico que cada vez mais cai no esquecimento. Sentiste no início o bafio dos armários onde se arquivavam as pastas das fichas dos alunos, e terminaste no espaço inodoro da nuvem (clowd para os amigos). Começaste quando o telefone mais próximo era na mercearia/café/mercado da aldeia, e acabaste com telefones de alunos na mochila pendurada na cadeira. Passaste do papel químico para fazer fichas e tpcs, ao envio cibernético e instantâneo de e-mail e grupos de whatsapp. Com tudo isto se Charles Darwin fosse vivo poderia testemunhar uma evolução monstruosa, e fazer das ilhas galápagos apenas uns rochedos perdidos no meio do pacífico. Pertences a uma geração que já não se fabrica, e da qual és uma espécie de CEO. Mereces agora que pegue no lenço que falei no início e permite-me juntar às centenas de alunos, pais e familiares que tiveram a sorte de te ter no seu caminho para todos juntos o agitarmos, não pelo simbolismo da despedida, mas sim pela confirmação da obra maestra que foi a tua carreira na majestosa missão de ensinar. Parabéns senhora Professora.

o bordel da Europa

por António Simões, em 29.05.21

Correndo o risco de falar para uma parede cibernáutica, o prazer de ver estampadas num ecrã as palavras que são fruto do meu campo fértil é maior do que qualquer comentário que possa receber, ou discussão que possa desencadear. Por isso mesmo mantenho esta resiliência senil de manter um espaço desactualizado, assíncrono do seu tempo, mas muito meu. Nem sempre tem surgido a necessidade de expiar os meus pensamentos, mas face ao que hoje, ontem e nos últimos dias se tem passado, tenho mesmo que recorrer a esta catarse. Completamente entregue à ciência dos sábios que nos conduzem pelos caminhos sinuosos de uma pandemia mundial, remeto toda a minha insignificância nas suas mãos, deixo os meus destinos entregues ao seu leme na esperança de chegar a um Porto Santo que tanta falta nos faz. Contudo desde os primeiros momentos, e mesmo descontando toda a incerteza que quem tem que decidir merece face ao desconhecido, sempre me deparei com situações incoerentes e sem sentido que acabam por cair num total descrédito digno dos maiores vilões de La Fontaine. Como será possível exigir civilidade aos pacóvios tugas no cumprimento das regras estabelecidas, tendo em conta que há 4 meses éramos um perigo para a sociedade internacional na propagação do vírus, um país na lista negra dos locais a habitar, e agora que se deu o ocaso da lua e do frio para dar lugar ao nascer do sol e das temperaturas tropicais sermos um destino de eleição, não só para apanhar o sol e ir a banhos, mas também para permitir que milhares de ingleses venham fazer orgias venerantes do deus Baco com o pretexto do futebol. O que se passa hoje na cidade do Porto só não é um atentado à dignidade de uma nação com séculos de existência, porque há muito tempo que passamos a ser um verdadeiro Bordel da Europa.

seretonina

por António Simões, em 27.03.21

Adianto desde já a minha escassa e parca qualidade de leitor para certos tipos de literatura. Se o mundo da poesia é o meu antípoda literário, certas vertentes em prosa mais, digamos, esotéricas, não encontram em mim um seguidor. Contudo, não se deve negar uma ciência que se desconhece e por esse motivo resolvi ler este autor para mim desconhecido - Michel Houellebecq. O livro prometeu muito durante grande parte do mesmo, mas no final o meu interesse foi algo desviado por um desvio (peço desculpa mas gosto muito de pleonasmos) que só mesmo o autor é que poderá explicar para se fazer entender. Em resumo posso dizer que foi uma experiência vagamente satisfatória, não tanto pelo livro em si, mas pela ideia subjacente à leitura do mesmo de que vivemos numa sociedade de tal forma complexa e mentalmente doente que só existem dois caminhos para co-existir: ou se mergulha no mundo da dependência de fármacos para elevar os níveis de seretonina, ou então se vive da melhor forma possível mas sóbrios e conscientes da decadência do ser humano moderno.

a sombra da Noite

por António Simões, em 26.03.21

Numa nova cadeia de acontecimentos que roçam o macabro, Robert Brynza conduz a investigadora Erika Foster numa nova investigação. Não fica muito por dizer, pois tratando-se de um policial qualquer aspecto que se revele acaba por estragar um pouco da emoção para quem quiser ler o livro.

olimpo dos Mortais

por António Simões, em 12.03.21

O grito da passada terça-feira ainda se faz sentir. Não pelos vizinhos que entretanto se cruzaram comigo e me perguntaram o que se passou por volta das 23h horas do passado dia 9 de Março, mas sim pelo dano provocado nas cordas vocais que ainda hoje sinto cada vez que falo. Desde que o VAR entrou na vida dos adeptos do futebol, os golos perderam aquela efusividade natural e intrínseca, e são poucos aqueles que, tal como o livre soberbamente executado de Sérgio Oliveira, nos permitem manifestar toda a nossa paixão no momento em que se atinge o zénite do futebol. Numa fracção de segundo, o nosso sistema nervoso na sua totalidade, a simpática e a parassimpática, se une como uma orquestra para acelerar ainda mais um ritmo cardíaco já no limite do saudável, ordena a todos os músculos do corpo para se levantar do sofá num salto que poderia almejar atingir os níveis olímpicos da modalidade, e obriga os pulmões a exalar todo o ar que existe no mais pequeno dos alvéolos para daí surgir o mais profundo e audível grito que descarrega 115 minutos de emoção. Isto é futebol, mas acima de tudo isto é a paixão por algo que nos escapa à compreensão do razoável. Aqueles que não sofrem deste mal poderão argumentar que não encontram razão plausível para compreender este sentimento, que eu concordo, mas no fundo tenho pena, porque não sabem o que perdem, pois durante uns breves mas saborosos momentos o mais comum e reles mortal consegue sentir o que é fazer parte dos aposentos do Olimpo.

cruz de Ferro

por António Simões, em 12.02.21

Símbolo intemporal que veio dos confins históricos do reino da Prússia, passando pelo império alemão, apimentada com a suástica nazi durante o período mais negro da história da humanidade, pertencia no meu imaginário e na minha cultura geral a um tempo pretérito. Hoje ao passar ao de leve pelas notícias, fiquei num estado de quase pânico ao verificar que ontem aterrou nestas (até agora) pacatas paragens, um avião com esse símbolo, e com o nome Luftwaffe. Ciente que Hermann Goering jaz pacificamente para bem da humanidade, fui colmatar a minha ignorância com uma pesquisa pela internet para ao mesmo tempo me tranquilizar, e colocar de lado o pior cenário que por momento pensei estar a assistir - tropas nazis a aterrar na tugalândia para gáudio de André Ventura e seus  sequazes. O motivo foi, pelo contrário, totalmente altruísta pois de terras germânicas chegam tropas para combater não a democracia, mas sim esta terrível pandemia onde estamos entrincheirados. Saciada que está a cultura geral e refreados os nervos do pânico inicial, venho por este singelo meio sugerir aos alemões da Alemanha que está na hora de trocar esse símbolo, pois apesar de ligeiramente distinto pela forma mais estilizada não deixa de provocar um certo nó ao nível gástrico. De caminho, poderiam mudar também o nome da força aérea, tal como o fizeram com o exército que passou de Wehrmacht para Bundeswehr. Com o andar da carruagem dos apaniguados da suástica que se espalham de forma assustadora pela Europa fora, estas confusões não abonam nada a favor da democracia e da sociedade actual...

presidenciais 21

por António Simões, em 09.01.21

Os agentes políticos da actualidade tem conseguido a proeza de alcançar uma coerência ao nível do interesse que despertam nos eleitores. Até aqui chega a boa notícia e o que se segue, para além de mau, não augura nada de bom para o futuro, sendo o presente uma boa mostra do que nos espera daqui para a frente. Se as taxas de abstenção mostram de forma matemática o que pensam os eleitores da política actual, os políticos de hoje são belos exemplares da decadência de uma sociedade que em pleno século XXI se julga informada, mas que nunca esteve tão à deriva num mar de desinformação. Tudo isto é a amálgama perfeita para colocar na cadeira do poder figuras como as que hoje temos nos EUA e no Brasil, e que servem de inspiração para qualquer louco que munido pelos amigos certos e os financiamentos adequados se julgue capaz de seguir em frente, seguindo o caminho por esses outros loucos trilhado. O vírus do populismo e do discurso do ódio que julgava enterrado encontra-se mais vivo que nunca, e nesta sociedade que passa mais tempo a exercer a fisioterapia do polegar no visor de um telemóvel encontra o hospedeiro perfeito, um corpo moribundo onde o sistema imunitário já pouco reage e para o qual não parece existir vacina eficaz. Essa vacina não aparece porque aqueles que poderiam desenvolve-la estão a ficar sem tempo, talvez sem paciência, e muito provavelmente deprimidos depois de anos de luta onde julgavam ter vergado esse vírus, ocupando o seu tempo elaborando terapêuticas orientadas para levar a humanidade para a frente, no caminho da tolerância pelo próximo, pela integração de uma sociedade cada vez mais complexa, evitando caminhos sinuosos que no passado nos conduziram a tempos duros. Estas eleições presidenciais tugas são um bom exemplo disto que por aqui vou devaneando. Tendo acompanhado alguns dos debates, o de ontem entre Ana Gomes e André Ventura foi o que me levou a escrever este texto. Para além da diferença óbvia das idades onde de um lado poderia estar uma mãe e do outro um filho, para além da evidência curricular de cada um onde de um lado estão décadas de luta e trabalho e do outro pouco de mais de uma dúzia de anos a fazer pela vida, o que vi foi uma tristeza estampada no rosto de Ana Gomes, apesar do seu constante sorriso que mais não era do que um disfarce de alguém que estava a cerrar os dentes perante um oponente mal educado, inflamado, intolerante e ganancioso. Essa tristeza revela algo em que penso frequentemente. Quem como ela, e mais velha que ela, viveu no tempo da ditadura e lutou para termos direito à liberdade, como aquela que neste espaço posso exercer, deve ser tristemente angustiante ver espelhado na figura de pessoas como a que ontem tinha à sua frente num debate político aquilo a que chegamos. Deve ser revoltante reconhecer que, apesar de todo o trabalho efectuado, o ódio e o populismo que não vê meios para atingir fins está mais vivo que nunca, e mesmo ao virar da esquina para chegar ao poder. Triste, mas actual.

diego armando Maradona

por António Simões, em 25.11.20

Numa altura em que a selecção nacional portuguesa quase nunca se apurava para as grandes competições, a minha paixão pelo futebol não se esgotava no apuramento, e sempre vivi os mundiais de futebol a torcer pela Argentina. Para isso foram decisivas duas coisas: a primeira, o facto do equipamento principal ser o mais parecido possível ao do meu Porto, com o azul a mudar apenas de tonalidade; a segunda pelo facto de lá jogar o melhor jogador de todos os tempos, ainda por cima esquerdino como eu. Do México 86 tenho poucas recordações, mas no Itália 90 sofri a derrota como se argentino fosse, e ainda me recordo de festejar a horas tardias o último golo que Maradona marcou nos EUA 94, antes da Mafia da FIFA se encarregar de o enviar para casa. Como se quer num génio, a sua dose de loucura foi servida em quantidades abundantes tanto ao nível da magia que espalhou no campo de futebol, como na paixão que mostrava sem qualquer restrição, fosse a que nível fosse. Hoje é fácil criticar e apontar o dedo na hora de acusar, mas eu prefiro seguir o caminho da indulgência ao avaliar que não teve a sorte e os recursos que hoje em dia protegem os afortunados, de um desporto jogado e seguido por milhões de pessoas. Diego Armando Maradona foi único e irrepetível, sendo a discussão sobre quem será o melhor de todos os tempos um tema sem qualquer tipo de sentido pois os gostos são subjectivos, as pessoas diferentes, os tempos não são os mesmos, e como ele mesmo disse no filme sobre a sua vida realizado por Emir Kusturica: "qué jugador hubiese sido yo si no hubiese tomado cocaína? ¡Qué jugador nos perdimos! Me queda el mal sabor de boca que hubiese sido mucho más de lo que soy..."

uma Década

por António Simões, em 24.11.20

A inexorável, lenta, paciente e perniciosa virulência do tempo é uma pandemia para a qual não temos, nem alguma vez vamos ter, uma cura ou vacina capaz de a combater. O tempo é cruel e frio, e olha com o seu desdém de superioridade de quem sabe que acima dele nada existe, incapaz de parar por um momento que seja a sua tenacidade em andar para a frente, segundo após segundo, minutos que depois se tornam em horas e dias que não param de cair de maduros das folhas do calendário, para alimentarem a sua insaciável voracidade. Foi ao olhar para o calendário que verifiquei que este blog completou no passado sábado uma década de existência. 10 anos! Este meu espaço não foi obviamente imune à virulência do tempo, e se anos ouve em que a escrita foi diária, ultimamente resume-se a algumas pontuações esporádicas. Sabendo que no fim a derrota é certa, podemos olhar para a sobranceria do tempo, olhos nos olhos, e mostrar com toda a nossa força que não nos deixamos vergar e que somos capazes de dar luta. Porque é disso mesmo que se trata, de uma batalha que no dia a dia temos que vencer, de não desanimar perante as adversidades, arquivar os maus momentos na nossa pasta de encaixe, e ser capazes de continuar, e tal como o tempo andar para a frente. O simples facto de hoje aqui escrever é motivo de contentamento para mim, porque desse modo mostro ao tempo que 10 anos não são suficientes para o eporquenaoeu desaparecer...

a rapariga no Gelo

por António Simões, em 26.09.20

Já lá vai algum tempo desde o último comentário a um livro que li. Estando em falta com este meu espaço, e com a necessidade de registar aquilo que a leitura de um livro me transmite, vou procurar agora repor tudo o que está em falta. Foi com este livro de Robert Brynza que iniciei um período essencialmente preenchido por literatura policial/acção que também faz falta e, não desfazendo a qualidade desta escrita e dos seus escritores, permite ganhar algum fôlego para outras obras e autores que exigem mais um pouco do leitor. Com a "Rapariga no Gelo" fiquei a conhecer a detective Erica Foster, os meandros da investigação criminal com os pormenores sórdidos da Medicina Legal, e aquilo que imaginação infelizmente fértil de uma mente humana deturpada de um assassino é capaz de fazer e alcançar. Fiquei curioso, e adianto desde já que li a série toda.

medo de Existir

por António Simões, em 23.09.20

Homo Sapiens Sapiens… até aqui chegamos! Partindo de um caldo primitivo muito pouco comum, de linha traçada de forma igual para todos, de entre bestas e bestiais o ser humano atingiu o patamar mais alto da linha evolutiva, ou pelo menos é aquilo que todos nós, como membros de uma mesma espécie, pensamos. Poderá estar encerrado nesta crença uma espécie de narcisismo colectivo, numa manifestação inequívoca daquilo que Mario Vargas Llosa classifica como o “apelo da tribo” e, como salvo prova contrária não temos qualquer outro membro de qualquer outra espécie que possa ou consiga refutar esta sobranceria, vou continuar nesta linha de raciocínio analisando o que levou o homem chegar ao trono do Olimpo, governando como um verdadeiro Deus esta bola que temos o prazer de habitar. Pergunto-me então qual terá sido o ingrediente secreto que levou a este sucesso!? a esta diferença colossal entre o animal que se tornou racional e os animais que não o são, e pese o facto de não dispor de conhecimentos dignos de registo, quer ao nível da zoologia, antropologia, sociologia ou psicologia, penso que como ser racional que sou tenho o direito de pelo menos tentar uma explicação lógica, que por vezes se encontra na mais simples das coisas, redundando estudos e investigações num resumo muito simples que os teóricos teimam sempre em complicar - o Medo. O homem não teve sempre medo. Nos tempos da pré-história, entre grunhidos e pancadas, o neandertal munia-se da mesma arma psicossomática que os restantes animais de então - o instinto - e à medida que o instinto lhe permitiu ter a sorte de descobrir elementos chave que lhe conferiram uma vantagem competitiva sobre os outros, como o fogo, o seu cérebro começou a aumentar, cabendo ao instinto o papel de permanecer na sua zona mais primitiva e escondida, dando lugar a coisas tão extraordinárias como o medo. Foi o medo, mais que o instinto, mais que a inteligência, mais que a curiosidade, que permitiu a esse animal humano progredir porque, ao contrário de todos os outros animais que continuavam munidos do instinto para sobreviver, descobriu que a sobrevivência mais não é do que uma luta da qual se sabe o resultado final, e o vencedor anunciado - o Medo de existir. A partir do momento em que ganhamos essa consciência embatemos numa realidade dura como uma parede de pedra robusta e inquebrável, e é exactamente nesse instante que recorremos às mais poderosas munições que a evolução nos trouxe, para mitigar a angústia da existência e junto com o instinto, arquivar ambos bem no fundo do iceberg da nossa mente. A partir de então gera-se a confusão entre a espécie humana porque o Medo, como as consciências, é diferente de acordo com a realidade de cada um. O resultado não poderia ser mais trágico, e a história é a melhor argamassa para cimentar a minha opinião, uma vez que com tantos anos de registos e aprendizagens ainda não aprendemos a viver uns com os outros, e no fim de contas, apesar de sermos humanos e racionais, temos Medo do próximo, da diferença, da incerteza, e tantas outras coisas que nos desperta o instinto que rapidamente vem à tona, e regressamos ao estado donde partimos. Se assim não fosse, as fronteiras há muito que tinham deixado de existir, a indiferença seria algo do passado e a sociedade seguiria o seu caminho evolutivo, em lugar de continuamente dar passos atrás.

carlos ruiz Zafon

por António Simões, em 19.06.20

Hoje o mundo da literatura perdeu uma pedra angular ao ver partir Carlos Ruiz Zafon que, cedo demais, caiu fulminado por uma doença que ceifa mais vidas do que qualquer pandemia deste ou de outro século. A inevitabilidade da nossa existência bateu à porta de um dos melhores escritores do século XXI e levou-o, deixando os milhares de leitores anónimos carentes de aventuras e histórias futuras. Não preciso de falar dos livros que dele li, pois isso já o fiz no passado, mas não podia deixar de prestar a minha singela homenagem com palavras do próprio, que tomo a liberdade de transcrever do prólogo de "O Príncipe da Neblina":

"Mas não veio a estas páginas para ouvir discursos, mas para que lhe façam cócegas no cérebro. Permitam-me, então, que o convide a viver as aventuras destas personagens que ainda me são tão familiares como no dia em que as conheci. A entrada não tem limite de idade, nem lugar marcado. Será bem-vindo a estas páginas quer seja um leitor veterano como eu ou um leitor jovem que mergulha na maior das aventuras, a de ler. Dentro de momentos apagar-se-ão as luzes, erguer-se-á a cortina da sua mente e o feixe do projector baterá na sua imaginação."

Sempre que leio estas linhas os arrepios não escondem, de forma involuntária mas consciente, a emoção que sinto ao ver traduzida de forma tão bela a relação simbiótica entre o escritor, o livro, o leitor e a leitura. Obrigado pela obra, pelas histórias, mas acima de tudo por ser capaz de por momentos voarmos sem sair do sítio.

confinamento Infantil

por António Simões, em 28.05.20

São mais de 4 meses desde a última entrada neste meu pequeno espaço de devaneio cibernético. Mas se para mais não servir, pelo menos fico com o consolo de escrever e depois ler, estabelecendo uma comunicação entre eu e mim mesmo. Muito pouco se passou desde que em Janeiro escrevi o meu último post, uma vez que a rotação da terra foi colocada em causa depois da paragem forçada pela pandemia da actualidade. No entanto, e para quem for um atento leitor deste espaço, há muito que acho que a nossa sociedade está doente de uma patologia que só tem a vantagem de não vitimar ninguém, ao contrário do que acontece com o COVID-19. Isso mesmo se comprova diariamente com as idas e voltas da recomendações científicas, com a bestialidade de dirigentes mundiais do calibre dos presidentes do Brasil e EUA, e com a contra-informação que mina os alicerces daquilo em que queremos acreditar. Acredito que o tempo não está para brincadeira, mas como tenho a infelicidade de pensar em tudo o que faço e vejo, só posso concluir com a mesma frase de Obelix "esta humanidade está louca". O confinamento a pouco e pouco vai-se desfazendo, mas entre as recomendações lógicas e oportunas, temos outras descabidas e acima de tudo incoerentes por onde a sociedade se vai guiando, regressando tudo ao quase normal. Ao normal, não! Recorrendo novamente à prosa de Goscinny, existe uma franja da sociedade que se mantém irredutível no seu confinamento obrigatório. Enquanto que os mais velhos (grupos de risco incluídos) retomam toda a sua actividade normal, às crianças continua a ser negado o direito a ser criança, de brincar a aprender uns com os outros. Ao dizer isto, não o digo no sentido de pedir que as Escolas abrissem normalmente, mas apenas no sentido de desabafar um sentimento de tristeza ao ver que tão cedo elas não podem regressar à sua vida de sempre. Continuem então a preocupar-se apenas com  a abertura de ginásios, cabeleireiros e hotéis, com a presença de banhistas a mais nas praias, com o regresso do futebol com ou sem público, mas pelo menos no dia 1 de Junho lembrem-se simbolicamente que é dia da Criança.

regresso às Cavernas

por António Simões, em 06.01.20

Existem dois fenómenos que competem em estilo, mas juntos assumem uma sinergia preponderante na hora de vilipendiar séculos de evolução humana na área da escrita - as abreviaturas e os emojis. Estes tsunamis activos de proporções épicas têm como epicentro a evolução das tecnologias de comunicação, criando um enredo que, apesar de honrar os cânones da tragédia clássica, traz consigo a nefasta realidade de uma autofagia intelectual globalizada. A aurora das mensagens escritas com caracteres limitados, que despertou o engenho e arte na hora de abreviar palavras, frases e sentidos, deu um golpe tenaz no romanticismo da correspondência, cuja existência foi suspensa na esperança de um e-mail mas quebrada pela estocada final, efectuada pelas redes sociais. São essas mesmas redes, a evolução natural das mensagens de texto, que acompanham a necessidade voraz de uma sociedade sem tempo para parar e pensar, e alimentam a queda intelectual traduzida em textos cada vez mais curtos e sentidos cada vez mais óbvios, onde um like e meia dúzia de emojis substituem a leveza de letras organizadas em palavras, palavras juntas para formar frases, e frase plenas de sentido. Pergunto-me eu em que diferem os emojis de um telemóvel actual e as pinturas rupestres dos nossos antepassados. Esses pelo menos ainda tinham o trabalho de preparar a tinta, pensar e desenhar o que queriam dizer...

inceneradora Eleitoral

por António Simões, em 16.09.19

Consultando um bom dicionário de tugalês, o leitor poderá confirmar que o termo urna pode assumir diferentes significados, dependendo cada um daquilo que com a mesma se faz. No fim de contas, a única coisa comum a todos é o facto de numa urna se depositar algo, sejam restos mortais, cupões de lotaria, rifas, ou boletins de voto. Em termos de sentimento as urnas eleitorais estão para o eleitor como as urnas dos cupões da lotaria para o apostador, vivendo ambos na expectante esperança que o seu boletim seja o feliz contemplado vencedor. No entanto, se a lei da probabilidade adverte o apostador para a mais que provável derrota no universo quase infinito do acerto impossível dos números vencedores, a lei dos homens deveria fazer o mesmo ao eleitor, parte essencial e única do sistema democrático. Quando digo deveria, digo porque eu próprio não acreditando já em quase nada do que é apresentado a escrutínio, continuo a religiosamente cumprir com o dever cívico de exercer o meu direito de voto. Entre propagandistas do olha para o que eu digo e não para o que eu faço, entre os oportunistas da altura certa para piscar o olho ao poleiro do poder, entre os discos riscados que teimam eu não passar do tempo dos LPs, entre os que sabendo da derrota certa não se coíbem em prometer o impossível, e entre os que governando se esquecem de uma boa parte da sua ideologia política, o termo Urna não poderia ter sido melhor escolhido para designar o local onde depositamos o boletim de voto, o local onde se incinera a democracia, e onde acabam por ficar depositados os restos mortais da esperança dos eleitores que cada vez menos acreditam no menos mau de todos os sistemas...

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